Deméter continua a busca por sua filha. Ela atravessa bosques e florestas, procura em lagos e montanhas, nas planícies e colinas. Finalmente, quando toda esperança parecia perdida, Hécate a leva até Hélios, o deus do Sol, aquele que tudo vê. Ele então revela o nome do culpado, Hades.
Deméter exige que ele devolva sua filha, mas Hades recusa. Sendo assim, a deusa decide ir embora do Olimpo e não voltar mais, tornando a terra infértil, até que a sua filha seja devolvida.
De repente, as colheitas começam a morrer, as frutas apodrecem, e a fome devasta a terra. A raça humana está ameaçada de extinção. Zeus envia para Deméter sua mensageira, a deusa Íris, para implorar que ela volte a seu estado normal. Mas Deméter está irredutível, e não dá ouvidos.
Deuses suplicam à ela, sem sucesso. Zeus, então, pede a seu filho Hermes que informe à Hades que, se ele não devolver Perséfone, os homens morrerão, e não haverá mais ninguém para honrá-los.
Hades pensa, e aceita devolver a jovem, mas com uma condição: as leis dos deuses precisam ser respeitadas, assim como ele as respeitou. Existe uma lei no Inferno que ninguém pode ignorar ou infringir. Quem quer que tenha tocado o alimento dos mortos ficará sob a terra pela Eternidade.
Hermes interroga Perséfone sobre qual alimento ela teria comido. A deusa, porém, jura que não havia ingerido nada desde que foi sequestrada. Hades aceita então que ela retorne para sua mãe.
Mas, enquanto Hermes ajuda a jovem a subir na carruagem, ouve-se uma voz. É Ascálafo, um dos jardineiros do senhor das Trevas, dizendo que ela estava mentindo, pois viu Perséfone colher uma romã e comer sete grãos, e ele poderia provar. Naquele momento, sua revelação mudava tudo.
Ascálafo deve ter lamentado por suas palavras, pois mais tarde, Deméter o transformou em coruja. Se Perséfone provou do alimento dos infernos, ela deveria permanecer lá para sempre.
Quando sabe da notícia, Deméter, devastada, tranca-se na solidão, se recusa a retornar ao Olimpo e persiste em sua vontade de matar os homens de fome. Exasperado, Zeus anda em círculos. Ele se revira e não dorme, enquanto a fome continua se espalhando e causando estragos aos mortais.
Zeus fala sobre o problema com Reia, sua mãe, e mãe de Hades e Deméter. E é ela que vai conduzir as negociações entre seus três filhos. Finalmente chega-se a um acordo. Como Perséfone comeu o alimento dos infernos, ela passará o inverno no Inferno, e o restante do ano em liberdade.
É por isso que nos meses em que mãe e filha se separam, a terra congela. Nada brota nem floresce. É Deméter que, longe de sua filha, sai do Olimpo e recusa-se a alimentar os homens. A natureza aguarda o retorno de Perséfone, que agora passa a ser conhecida como a rainha dos Infernos.
Perséfone leva a sério seu papel de rainha, assim como o de esposa. Sua presença revela uma nova imagem da vida e da morte, já que a jovem transita entre os dois mundos, o de baixo e o de cima.
Mas o casamento não melhorou a reputação de Hades. Aliás, seria um equivoco chamá-lo apenas de deus da morte. Ele não é exatamente a morte, e sim Tânatos. Hades não é satânico, e muito menos malfeitor. Não é ele quem atormenta as pessoas, mas as Erínias, as deusas da vingança.
As Erínias, com cabelos de serpentes e armadas de chicotes, perseguem sem sossego suas vítimas. Hades não tem culpa, ele governa o mundo subterrâneo, que lhe foi atribuído contra sua vontade.
Ele é cercado de criaturas monstruosas. Por obrigação, mostra-se impiedoso. Mas ele também tem um coração sensato, compadecido. E pode demonstrar indulgência com quem sabe se dirigir a ele.
Por exemplo, este homem que acabou de bater à sua porta. Um visitante, que veio por sua própria vontade, antes de ser ceifado pela morte. Ele se chama Orfeu, um guerreiro, mas também poeta e músico. Sem arma nem violência, é com sua lira e sua voz que Orfeu chega ao casal dos infernos.
Orfeu, depois de uma vida de aventuras e façanhas, conheceu Eurídice, uma ninfa de beleza única. Encantado, Orfeu nutriu pela jovem uma paixão grandiosa, sem medida, e se casou com ela.
Mas sua felicidade não durou muito, pois Eurídice morreu. Orfeu, devastado pela dor, ousou o que nenhum mortal antes dele arriscara. Ele pede ao casal dos infernos que devolvam sua amada. Eles cogitam castigar o imprudente, mas Orfeu os interrompe, com um gesto de súplica.
Tocando o que seria chamado de "a corda sensível", ele lembra a Hades o que ele próprio sentiu por Perséfone, o rapto de amor que ele se permitiu, seu desespero e sua tristeza quando ele se afasta daquela que ele tornou rainha dos infernos junto dele. Hades aceita suas súplicas.
Essa decisão revela as múltiplas facetas da personalidade do senhor dos infernos. Ele é sensível às queixas amorosas e capaz de se comover diante da beleza. Entretanto, Hades sempre será visto, aos olhos dos mortais, como esse deus temido e detestado. As duas faces de uma folha em branco.


