”Se me derem uma lira e um arco, eu comunicarei aos homens os desígnios infalíveis de Zeus”. Essas foram as primeiras palavras de Apolo, recém-saído do ventre de sua mãe. Apolo, deus da luz, protetor das artes, senhor dos adivinhos e dos profetas. Em volta, uma paisagem árida e desolada.
Esta ilha, onde sua mãe Leto encontrou refúgio, é uma verdadeira zona árida. Há apenas uma árvore, o silêncio e o mar, que se estende ao infinito. O rosto de Leto parece tranquilizar-se. Faltam somente 9 dias para que venha a liberdade. Apenas 9 dias de sofrimento, após 7 meses de errância.
E tudo isso por culpa de quem? De Zeus, é claro. Zeus, que poderíamos chamar de Deus do Adultério, se já não o chamássemos de Senhor do Olimpo. Pobre Leto... Por quanto tempo o rei dos deuses a perseguiu antes de roubar sua virtude? Ela devia desconfiar que aquilo terminasse mal.
Leto abraça forte seus gêmeos: ela não consegue esquecer. Alguns meses antes, ela contou a Zeus que estava grávida. O senhor dos deuses explodiu de euforia. "Esse menino" - pois seria um menino, ele estava certo - "será o mais valente de seus filhos, o mais belo".
Mas Leto não compartilha da euforia de seu amante. Ela está muito inquieta, pois Zeus é casado, e não com qualquer uma. Sua esposa é Hera, com quem ele divide a soberania sobre o céu e a terra.
Hera não é apenas a maior entre as deusas do Olimpo, como também é a protetora do casamento, e Hera não tolera a infidelidade. Ela é implacável quando se trata de traições. Impiedosa, não só com suas rivais, mas também com os filhos que elas concebem. É claro que Leto entendeu que não tinha semeado a desordem entre um casal qualquer.
Pouco tempo antes, veio um novo raio dos céus. Ao saber que Zeus estava prestes a cometer mais uma infidelidade, Hera convocou em seu socorro Atena, Poseidon e outras divindades. Juntos, eles tentaram acorrentar Zeus. Mas o projeto fracassou e a reação do mestre do Olimpo não demorou.
Como Hera tinha sido a mentora da conspiração, Zeus a suspendeu acima das nuvens, com uma bigorna em cada tornozelo. Apesar de seus apelos, nenhum deus ousaria socorrê-la. Zeus só aceita libertá-la sob a condição de que os cúmplices prometam nunca mais se insurgir contra ele.
Os temores de Leto eram justificados. Os gritos de alegria de Zeus ao saber da gravidez da amante ecoaram até o quarto de Hera, lá em cima, no Olimpo. Mais uma traição. Desta vez, a deusa assegura, sua ira será irrestrita. Para começar, ela ameaça de sangrentas vinganças qualquer um que oferecer abrigo a Leto.
Em seguida, faz aparecer um monstro das profundezas da terra: a serpente Píton. E a lança ao encalço de Leto. Assim começam as semanas de errância de Leto. Abandonada por todos, desesperada, ela vai de terra em terra, de cidade em cidade, buscando um lugar onde poderá, em segurança, dar à luz seus gêmeos.
Mas, em seu caminho, ela só encontra portas fechadas e olhares fugidios. Ninguém ousa enfrentar a ira de Hera. Leto se arrasta, suplicante, até que já tendo amargado as primeiras dores, ela chega a uma pequena ilha do Mar Egeu, chamada Astéria. Esse era o nome de sua irmã, que antes dela, também sofrera as investidas de Zeus. Mas, em vez de ceder, ela preferiu se atirar ao mar. No local de sua queda, surgiu, então, a ilha de Astéria.
Leto se refugia na ilha que fora sua irmã. Ela se deita à sombra de uma palmeira e dá à luz primeiro uma filha, Artêmis, depois um menino, Apolo. Lá está ele, este deus magnífico, este deus da luz, da música e da poesia. Em 7 dias, ele já sai de seus cueiros. É um menino de força extraordinária.
Zeus dá a ele uma lira de 7 cordas, uma carruagem puxada por dois cisnes fortes, um arco e flechas, fabricados para ele por Hefesto, o deus dos ferreiros. Logo, Apolo decide partir. Ele se estabeleceu um objetivo: revelar os destinos dos mortais, assim como das intenções de seu pai, o grande Zeus.
Mas, para isso, ele precisa encontrar um local, onde ele poderá estabelecer seu templo. Apolo sobe em sua carruagem, vai embora da ilha, que, de repente, tornou-se verdejante e passou a ser chamada de Delfos, "a resplandecente". Mas os cisnes que puxam a carruagem de Apolo não entenderam bem assim. Eles levaram seu passageiro para sua pátria, na longínqua Hiperbórea.
É uma região mágica, onde há ouro protegido por grifos, e as pessoas são felizes e não envelhecem. Apolo é iniciado nos mistérios de Zeus, depois ele retoma seu périplo. Ele se aproxima de uma magnífica fonte, no meio de uma floresta profunda. A guardiã do lugar é a ninfa chamada Telfusa.
Quando Apolo conta a ela que pretende construir ali um templo magnífico, a ninfa, incomodada que uma divindade maior possa competir com ela, convence-o de que o lugar, embora belo, é muito barulhento. E ela fala das qualidades de outro lugar próximo, aos pés do Monte Parnaso.
Apolo vai embora. Ele não sabe, mas a ninfa acaba de lhe preparar uma armadilha. Algumas horas depois, Apolo chega a um lindo vale. O lugar realmente parece perfeito, mas assim que ele começa a traçar os alicerces do templo, uma sombra aproxima-se em silêncio por trás dele. Píton, a terrível serpente que o perseguia desde o ventre de sua mãe. Píton aguardava o momento de sua vingança.
O combate é muito violento. O triunfo de Apolo é total, mas ele acabara de matar um deus. Gaia, a Terra-Mãe, que deu à luz Píton, está furiosa. Ela logo informa essa ofensa a Zeus, que ordena que seu filho vá até o Vale de Tempe, para se purificar. Apolo vai além: em memória de seu adversário vencido, ele institui cerimônias esportivas e religiosas, os Jogos Píticos.
Mas o que é um santuário sem um sacerdote? Enquanto medita diante do mar, Apolo vê ao longe um navio em perigo. Ele se atira ao mar, transmuta-se em um golfinho e chega até o barco. A bordo, ele vê que parte da tripulação, vinda de Creta, está morrendo de fome, de sede e de esgotamento.
Ele promete salvá-los, sob a condição de que aceitem nunca voltar para casa e servi-lo fielmente. Apolo conduz o navio em direção à margem e inicia os marinheiros nos segredos divinos.
No frontão de seu templo, ele grava as seguintes palavras: "Conhece-te a ti mesmo". Deus errante, lançado nas estradas, Apolo sabia, melhor do que ninguém, o sentido profundo dessa máxima.


