Apolo é sombra e luz, um deus de múltiplas facetas



Faltava dar nome ao lugar. Os marinheiros que viraram sacerdotes observaram que foi em forma de um golfinho que Apolo aparecera para eles. Golfinho, "Delfos", em grego. Apolo aprova. Delfos logo se tornará o local de culto mais venerado da Grécia. Pessoas de toda parte vão até ele para descobrir o destino que os deuses reservam aos mortais.

Para isso, é preciso consultar o oráculo de Delfos, a célebre pitonisa. É por sua boca que os deuses se expressam. Agora, o tempo da ociosidade acabou. O momento do poder pode começar. Apolo faz uma entrada triunfal no Olimpo, na assembleia dos deuses. Ele está no auge de sua glória.



Infelizmente, todos têm seu lado sombrio, até mesmo os deuses. E, se com sua lira, Apolo inspira os dias dos imortais, com seu arco ele torna a vida dos homens impossível. E logo se percebe que, por trás do poeta que flerta com as musas, esconde-se um arqueiro sanguinário e violento.

Uma rainha, a arrogante Níobe, vai descobrir isso da pior maneira, e ela não será a única. Outrora ela fora amada por Zeus, mas não se dignou a lhe dar filhos. Mas Níobe era fértil. Com seu esposo, Anfião, ela deu à luz 14 filhos. Um dia, movida pelo ciúme e pelo rancor, Niobe gabou-se de sua prodigiosa fertilidade e zombou da deusa Leto, que só tinha tido gêmeos, Artemis e Apolo.



Para Apolo, uma ofensa imperdoável. Quando os filhos de Níobe estavam junto com a mãe no Monte Sípilo, Apolo se aproxima deles e, sem piedade, puxa seu arco e atira suas flechas. São 14 flechas, 14 filhos. Uma carnificina. Pode-se imaginar a imensa dor da infeliz Niobe. Prostrada, ela não sai do túmulo de seus filhos assassinados.

Ela chora dia e noite, até que Zeus, tomado de piedade, a transforma em uma pedra de onde fluem lágrimas. Apesar de ser um deus de grande beleza, todos os amores de Apolo são fracassados. As mulheres que mais o atraem sempre lhe escapam, inexoravelmente. A mais conhecida das rebeldes é a ninfa Dafne, que dedica a maior parte de seu tempo à caça.



Um dia, Eros, o jovem deus do amor, cuja inabilidade como arqueiro é motivo de zombaria para Apolo, decide pregar uma peça no orgulhoso sedutor: ele atira no coração de Apolo uma flecha de ouro, que o faz se apaixonar por Dafne. Depois ele atira em Dafne uma flecha de chumbo, que a torna insensível ao amor. Apesar do insistente galanteio de Apolo, Dafne sempre o repele. Para evitar novas investidas do deus, ela foge.

Apolo parte em sua busca. A ninfa penetra a floresta, até que, esgotada, ela cai na margem do grande rio Pineios. Quando Apolo já está bem próximo, Dafne invoca com fervor seu pai, o deus do rio, Peneu. E o deus a escuta. Em uma rajada de água e de espuma, Peneu lança torrentes. E, com a ponta de seu cetro, toca o seio dela, no local do coração, onde a flecha de Eros se instalara.



A bela Dafne sente seus membros ficando imóveis. Sua fina túnica desliza sob sua cintura e seu corpo se cobre de uma casca cinza. Seus braços se alongam em galhos, suas mãos se tornam ramos, seu seio vira seiva e seus tornozelos se enraízam na grama úmida da margem. Seu pai acaba de transformá-la em um magnífico loureiro.

Apolo se atira sobre ela, mas é tarde demais. O que ele toca é um tronco liso e paralisado. Ele sente, sob a casca, palpitar o coração vivo de Dafne. Desolado, dilacerado, Apolo colhe, então, um galho do loureiro e decide que, dali em diante, um ramo daquela árvore sagrada vai decorar sua lira e ornar a cabeça dos poetas.

Turbulento, violento. Era hora de alguém corrigir aquele deus impulsivo. Quem mais se não seu pai, Zeus, seria mais indicado para isso? Apolo se apaixona mais uma vez. Ela se chama Corônis e é filha do rei da Tessália. Corônis carrega o filho do deus, mas a princesa, ainda grávida, tem a infelicidade de encantar-se por um mortal, chamado Ischys.



Foi um corvo que o deus encarregara de cuidar dela que contou a Apolo sobre a traição. Sua ira é, como sempre, implacável. Apolo começa matando o corvo, que antes branco, torna-se preto. Depois ele mata Ischys e Corônis. No momento em que o cadáver de Corônis, posto sobre o fogo, vai ser consumido pelas chamas, Apolo retira de seu ventre o bebê ainda vivo. O bebê é Esculápio.

Essa nova tragédia perturba Apolo. Mais uma vez, ele perdeu a mulher que amava. Mas ele ainda tinha o filho. Esculápio vai aprender os maiores segredos da medicina, e, logo, ele se revela tão hábil que descobre, sozinho, o remédio inacreditável, extraordinário, o sonho da humanidade: ressuscitar os mortos. E ele não hesita. Esculápio ressuscita Órion, Hipólito, Tíndaro e Licurgo.



Hades, o senhor dos infernos, fica furioso. O que acontece é muito grave. Esculápio está perturbando a ordem estabelecida entre os deuses e os homens. É imprescindível interrompê-lo. O senhor do Olimpo também está enfurecido: Hades vai até Zeus para reclamar. Esculápio está indo longe demais. Então, sem hesitar, Zeus fulmina o médico genial. Para desespero de Apolo. Seu próprio pai ousou retirar-lhe seu filho.

Para se vingar de Zeus, Apolo toma como alvo os Ciclopes, os seres de um olho só que forjaram o raio do senhor do Olimpo. E ele os assassina, um por um. Ira de Zeus. Decididamente, seu filho é incontrolável. Para puni-lo, Zeus cogita o pior: atirá-lo no Tártaro, a região sinistra dos infernos. Mas, por intermédio de Leto, Zeus aceita reduzir a pena. Apolo se tornará escravo de um mortal.



Tudo é complexo na vida desse deus, até mesmo em seus amores, que não se limitam ao gênero feminino: Apolo também ama os homens, e dois deles terão um fim trágico: Hiacinto e Ciparisso. O primeiro será morto acidentalmente por Apolo, que, para honrá-lo, o transformará em um jacinto.

Já Ciparisso, desesperado pela morte de seu animal favorito, suplica a Apolo que o mate. O deus recusa. E, diante da insistência do amigo, o transforma em cipreste. É inegável que esse deus é genioso, que embora infeliz, ainda encontra forças para dar beleza à dor.



Assim, longe dos clichês que fazem dele um deus solar, da pureza e da beleza, Apolo é formado por paradoxos. Ele é, ao mesmo tempo, sombra e luz. Apolo é o deus de múltiplas facetas.